Lá estava ela, a maravilhosa dona do bairro com as suas amigas no café. Sorrindo mais alto que as outras para ser ouvida e declarada a sua presença naquele estabelecimento comercial. Sacou ela do telemóvel e tirou uma selfie com as amigas. Postou no Facebook. Nota-se que ela está com um sorriso esboçado na cara, mas pouco mais: a selfie saiu toda desfocada.

E assim foi, toda desfocada a selfie percorreu os servidores do Facebook, fizeram-se backups, e chegou enfim aos destinatários, os seus amigos do Facebook.

Desfocada à semelhança da sua figura quando sai do banho e o espelho está embasseado. Desfocada à semelhança do sorriso que esboçou para a dita foto. Desfocada talvez até como os ultimos anos da sua vida, que passaram rápido demais sem nada para ser dito sobre eles.

E a equipa de engenheiros, sem créditos em lugar nenhum, cujo talento criou a funcionalidade de enviar a selfie desfocada pelo mundo fora, continua anónima. Quem sabe o senhor do café tem uma filha que trabalhou no Facebook e fez algum do código que correu no CPU da dona do bairro?

E quantos outros algoritmos e olhos digitais olharam para a foto enquanto fazia o seu percurso pelos transístores? E quem os fez? E será que esses génios estão vivos ainda?

Nesse momento a selfie desfocada tornou-se uma maravilha do oitavo planeta. Os comentários começaram a cair. “Pareces feliz amiga beijos” e “saudades muita saúde e paz”. Tudo bons desejos, alguns emojis mas zero críticas à desfocagem.

Desde quando selfies desfocadas se tornaram aceitáveis na sociedade? Quantas fotos tiradas com Nikons miniatura em 2006 foram apagadas ou rejeitadas por um ligeiro desfoque? Os comentários continuaram a cair. Naquela noite o sofá foi a viatura em que ela se sentou para responder aos seus amigos e amigas que comentaram.

“Obrigada” foi a palavra mais repetida. Alguns likes.

A noite terminou e a selfie lá ficou, desfocada, para sempre.